- Nos dez minutos em que durou o roubo à Estação Pinacoteca, no Centro de São Paulo, na quinta-feira, 12, sumiram mais do que as duas gravuras do pintor espanhol Pablo Picasso, a aquarela do brasileiro Lasar Segall e o quadro do brasileiro Di Cavalcanti, avaliados em US$ 1,5 milhão. Foi levado também um naco da credibilidade do Brasil junto a museus e colecionadores internacionais – esta, um bem de valor inestimável que seguro nenhum é capaz de cobrir. Este vazio na parede é sentido por diretores de museu e curadores, que sofrem, a cada assalto como o ocorrido no Masp, há seis meses, e ao Museu da Chácara do Céu, em Santa Teresa, no Rio, em 2006, com um aumento drástico no valor do seguro cobrado por instituições estrangeiras pelo empréstimo de acervo. Isso torna mais onerosa a montagem de futuras exposições do vulto das de Rodin, que o Rio recebeu em 2004 e em 1995 (no MAM e no Museu Nacional de Belas Artes) e de Taunay, que o MNBA abriga até o dia 7, barrando o acesso de brasileiros a preciosidades da arte mundial.
A prova de que o país se isola numa ilha de insegurança no mapa-múndi das artes plásticas está na preocupação expressada pela curadora americana Maria Angela Leal, da Oliveira Lima Library, Catholic University of America, em Washington. A universidade emprestou para o MNBA a tela O Largo do Machado em Laranjeiras (1816-1821), de Nicolas-Antoine Taunay, para que o Rio recebesse a primeira retrospectiva do artista francês, com telas emprestadas por museus da Inglaterra, da França, de Portugal e dos EUA.
– Dessa forma, o Brasil não inspira confiança. Vamos ficar preocupados com a exposição de Taunay no Rio, que já recebeu muita publicidade. Depois dos roubos em São Paulo, não queremos que ela ganhe ainda mais atenção para não atrair ladrões – diz. – Foi uma decepção saber dos roubos, colegas brasileiros em Washington ficaram envergonhados.
Maria Angela julga não serem ideais as condições de segurança do museu da Cinelândia, que não tem detector de metais ou guardas armados.
– É perigoso ter armas em museus, mas talvez seja hora de o Brasil adotar essa prática.
Presidente da Bolsa de Arte do Rio, Jones Bergamin eleva a preocupação:
– O preço do seguro chega a triplicar. O Brasil está com o nome sujíssimo na praça.
A opinião de Maria Angela não soa nada estranha a Romaric Büel, ex-adido cultural da França no Brasil (1993-1998). É ele quem arquiteta o desembarque de peças valiosas para as exposições do calendário de 2009, ano da França no Brasil, que o Masp, o MARGS e a própria Pinacoteca paulista vão sediar.
– Os museus internacionais vão querer saber se há gente para monitorar o circuito interno de segurança, se os quadros estão bem aparafusados na parede e até exigir guardas armados do lado de fora – diz Büel, responsável pela mostra de Picasso na Oca do Parque do Ibirapuera, em 2004.
Jones Bergamin revela o outro reflexo imediato desses crimes: até mesmo colecionadores nacionais sentem-se desestimulados a doar peças a museus brasileiros – as telas roubadas da Estação Pinacoteca pertencem à Fundação José e Paulina Nemirovsky e estavam em regime de comodato desde 2006.
Curadora independente de galerias européias, a brasileira radicada em Berlim Tereza de Arruda é taxativa:
– Muitos artistas de renome deixarão de expor no Brasil por questão de segurança – adverte a responsável pela vinda do austríaco Clemens Krauss, que expõe no MAM a instalação Aufwand/Display até 3 de agosto. – O mundo inteiro ficou abismado com a coragem dos criminosos no Brasil.
Embora os roubos na Pinacoteca, no Masp e no Museu da Chácara do Céu tenham naturezas diferentes, igualam-se na ousadia e no mistério que envolve a identidade dos mandantes. Paulo Herkenhoff, ex-diretor do MNBA e curador do Museu de Arte Moderna de Nova York (1999-2002), clama por uma revisão do sistema de gestão de arte no Brasil e tacha o roubo no Museu da Chácara do Céu como muito mais grave do que o na Pinacoteca.
– Quando os quadros foram roubados da Chácara do Céu, o museu tinha acabado de inaugurar uma reserva técnica. Não seria a segurança a prioridade?
Do museu em Santa Teresa, quatro telas – de Dalí, Picasso, Monet e Matisse – foram levadas por quatro homens armados. Também roubaram um livro de gravuras de Picasso.
– As coisas não vão ficar piores para o Brasil. Piores já estão – indigna-se Herkenhoff.
Ele conta ter recebido um telefonema de um amigo ligado a uma fundação americana que negocia uma exposição no Brasil, depois que a notícia de que ladrões carregaram os quadros em sacolas plásticas em plena luz do dia em São Paulo correu o mundo na garupa de sites noticiosos.
–Tranqüilizei-o dizendo que os três roubos foram fatos isolados.
A falha primária de segurança do Masp, de onde foram levados Retrato de Suzanne Bloch, de Picasso, que vale US$ 50 milhões, e O lavrador de café, de Portinari, avaliado em US$ 5,5 milhões, foi parar no jornal The New York Times, que publicou a indignação de Jones Bergamin: “É revoltante que um descerebrado consiga entrar num dos mais importantes museus da América Latina e roubar um Picasso. Os guardiões da arte no Brasil pediram a esses ladrões para roubá-los”.
O Brasil é achincalhado nos corredores do circuito de arte internacional enquanto artistas brasileiros vêem seus trabalhos galvanizados pelo bom momento por que passa o mercado de arte interno e Beatriz Milhazes bate seu próprio recorde em leilão da Sotheby's de Nova York com a venda milionária da tela O mágico.
– Os comentários são péssimos. Ana Sokolov, ex-diretora da Christie's (tradicional casa de leilões) para a América Latina e hoje consultora de vários colecionadores importantes me ligou horrorizada – vocifera Bergamin.
Diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan, José do Nascimento Jr. diz que os museus estrangeiros ficaram mais atentos às medidas tomadas pelo governo brasileiro para recuperar as peças e identificar os mandantes.
– O seguro aumentou muito na época do Masp. Mas não é bastante para cancelar a atividade.
Mônica Xexéo, diretora do MNBA, diz que o museu recebe mais de R$ 1 milhão por ano do Ministério da Cultura só para segurança, quantia complementada com verba de patrocinadores.
– O aumento no seguro pode, sim, inviabilizar uma ou outra peça, mas não temos terrorismo e bombas, como a Europa e os EUA. Mesmo com esses riscos, o MNBA não deixa de emprestar peças para esses lugares – ressalta Mônica, que comemorou a reabertura do museu da Cinelândia, em maio, depois de reformas estruturais. – Cumpri os requisitos de segurança impostos internacionalmente, mas não me acomodei. A memória e o patrimônio do país foram dilapidados. É uma lástima.
Fonte : Clara Passi, Jornal do Brasil on line 23/06/2008
Blog da turma da sala 3
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